Se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo, se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas participar de práticas com ela coerentes.[Paulo Freire]

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quinta-feira, 1 de maio de 2014

Pai ausente

Uma mulher pode até levar a vida sem a companhia de um parceiro, pai de seus filhos. Ela educa, cuida e resolve inúmeros problemas sozinha. Mas isso não minimiza o valor do papel paterno na mente das crianças. Seja em que situação for, uma criança sem a presença do pai em sua vida diária freqüentemente tem sentimentos de frustração, desajuste e dúvida, que se expressam na mais simples frase: “Mãe, por que meu pai não liga pra mim ou não vem me visitar?” Não importa em que situação familiar a falta do pai aconteça, esta reação preocupa a mãe. Ela deverá, diante disso, tentar encarnar a figura do famoso “pãe” – pai e mãe ao mesmo tempo? Precisará se conscientizar de que precisa de ajuda e de maior preparo para superar o desafio?
É possível que crianças ou adolescentes se sintam rejeitados por não terem a presença física e emocional constante de um pai, o que pode afetar sua auto-estima. Se o próprio pai ou mãe não lhe dão valor, quem dará? Esta pode ser sua conclusão. E eles correm o risco de ter um desenvolvimento emocional sujeito a problemas indesejáveis, como depressão, falta de confiança, timidez, dificuldades de aprendizagem etc.
Segundo Cristina Nacif Alves, pedagoga da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e especialista em Desenvolvimento e Aprendizagem da Criança, tanto a figura do pai quanto da mãe são importantes para a criança e o adolescente, pois a sociedade possui imagens e papéis altamente valorizados. “Se uma criança não tem pai ou mãe, acaba, muitas vezes, sendo cobrada na escola pelos amigos”, destaca. Ela explica que apesar do conceito de família ter sido alterado (antes, considerado a partir dos laços de sangue; atualmente, definido pelas escolhas afetivas), as pessoas ainda vivem sob o signo da família composta por pai, mãe e filhos.
Entretanto, esta não é a única organização familiar existente, pois existem lares compostos por: uma mãe e filhos; avó e netos; um pai e filhos; duas mães e filhos; dois pais e filhos etc. Contudo, a diversidade na organização das famílias não as exime da obrigação e da necessidade de garantir à criança e ao adolescente o benefício das funções materna e paterna.
A função materna diz respeito aos cuidados e à atenção acerca das necessidades físicas, morais, intelectuais e emocionais dos filhos. A função paterna refere-se à lei que traça limites para a regulação das condutas. Todavia, o fato desses papéis serem denominados materno e paterno não significa que só podem ser exercidos pela mãe e pelo pai, respectivamente. O mais importante é que ambas as funções sejam desempenhadas pelos responsáveis, pois tanto o carinho e o cuidado, como os limites, são fundamentais para que a personalidade se desenvolva de forma a constituir um sujeito ético, convicto de seus atos e cumpridor de seus deveres.
De acordo com o pastor Antonio Lazarini Neto, autor do livro Filhos da Mãe, publicado pela MK Editora, a idéia de família não podia ser concebida dispensando a figura paterna.
Ele explica que já na primeira referência à estrutura familiar encontrada na Bíblia, no livro de Gênesis 2.24, a família é vista como constituída por “pai e mãe”. Está escrito que deve “deixar o homem a seu pai e a sua mãe para se unir e tornar-se uma só carne com sua mulher”. Assim, o natural, o comum, era que a pessoa viesse de um lar onde a figura paterna estivesse presente. Isso porque a figura do pai era importante para assegurar a estabilidade da casa e garantir o sustento de toda a família.
A ausência do pai, que biblicamente era mais comum ocorrer em função da sua morte, fazia com que Deus – pelas leis e orientações a Israel – não somente assumisse o papel do pai, como exigia do povo que cuidasse de forma especial daqueles que se vissem órfãos. No livro de Êxodo 22.22-24, há a seguinte passagem: “A nenhuma viúva nem órfão afligireis. Se de algum modo os afligirdes, e eles clamarem a mim, eu lhes ouvirei o clamor; a minha ira se acenderá, e vos matarei à espada; vossas mulheres ficarão viúvas, e vossos filhos, órfãos”. Desse modo, o povo era conscientizado da lacuna que um pai deixava na vida do filho, da mesma sorte que o homem deixava na vida de uma mulher (veja que as referências bíblicas trazem o órfão e a viúva sempre juntos e pode ser que eles tenham ligação entre si – isto é, sofrem com a ausência da mesma pessoa).
Em seu livro, Lazarini diz que a figura paterna também era importante porque o pai abençoava os filhos. As palavras que saíam da boca de um pai eram de suma importância e proviam direção e segurança futura para o filho. No Antigo Testamento há registros de pais proferindo bênçãos sobre seus filhos. Em muitos casos, a dor da morte era compensada pela herança que o pai deixava, especialmente o que o pai dissera a respeito do filho antes de morrer. Na história de Jacó e Esaú, por exemplo, o que o pai determinou acerca do filho “mais novo”, em sua bênção, era “irreversível” (cf. Gn 27.33-35). Ou seja, muitas vezes, o futuro do filho dependia em grande medida, da presença, do apoio e da bênção do pai.
O pai trazia um referencial de vida para o filho. Davi, a despeito de sua grandiosidade como rei em Israel, deixou marcas negativas impressas na vida de seus filhos. Embora tivesse sucesso como monarca, Davi colheu insucessos na criação de seus filhos. O seu primogênito, chamado Amnon, violentou sexualmente sua própria irmã Tamar (2 Sm 13.1-20). Absalão, o terceiro filho, deu ordens para assassinar o irmão Amnom (2 Sm 13.28,29). O quarto, Adonias, quis usurpar o trono do pai na sua velhice (1 Rs 1.5). E sobre esse último é dito: “Jamais seu pai o contrariou, dizendo: Por que procedes assim?” (1 Rs 1.6). O abandono de Davi deixou não apenas marcas profundas no caráter e na conduta de seus filhos, mas também trágicas e irreparáveis conseqüências.

PAI AUSENTE: FILHOS SEM LIMITES
Responsabilidade e preocupação em dobro. É como Denise Andreolli, mãe de André, 8 anos, define sua jornada diária. Ela explica que criar o filho sem o marido não é tarefa das mais fáceis. “O André é muito ativo e ansioso! Mesmo sozinha, tenho procurado driblar as dificuldades dele na escola e em casa, com a cooperação da família”, conta. Segundo ela, seu filho está perdendo o afeto pelo pai, que não o procura nem nas datas mais importantes.“Quando encontramos com o pai dele na rua, peço para André ir até ele para conversar, mas o menino não quer”.
Hoje o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dá o direito de se pleitear em juízo a presença do pai, não só material (para o custeio de despesas), mas também afetiva (através do direito à visitação). Para um menino como André, há que se pensar em uma intervenção terapêutica que ajude essa família desfeita a prover uma presença paterna mais sólida e efetiva. Mesmo os juizados, atualmente, possuem departamentos de Psicologia para esse tipo de intervenção (quando outras soluções não surtem o efeito desejado).
Entretanto, a Bíblia dá esperança e motivos suficientes para que mães acreditem que seus filhos – criados apenas por elas – podem se tornar grandes homens. Um exemplo está no livro de Provérbios, que traz uma importante declaração sobre a vida de Lemuel: “Palavras do rei Lemuel, de Massá, as quais lhe ensinou sua mãe” (Pv 31.1). Não se sabe se ela criou Lemuel sozinha, mas o texto enaltece a figura da mãe como influência positiva na vida desse rei.
Segundo Sérgio Nick, psicanalista e especialista em Direito Especial da Criança e do Adolescente, a grande questão é analisar como essas mães puderam tornar seus filhos “grandes homens” na ausência do pai. Em seu trabalho sobre a função paterna, Nick destaca que o grande problema é quando os pais estão em litígio e existe uma grande desvalorização do pai por parte da mãe e de outros em torno. “Quando a mãe, afastada do marido, consegue manter uma imagem positiva do pai para seu filho, isso se reflete na criança como uma possibilidade de construir dentro de si uma figura idealizada de seu pai. É essa imagem que irá constituir a base da auto-estima e do amor próprio da criança e do adulto no futuro”, explica.

Em seu livro, Antônio Lazarini explica que no Antigo Testamento a figura paterna também era importante porque as palavras que saíam da boca de um pai eram de suma importância e proviam direção e segurança futura para o filho


A ESTRUTURA FAMILIAR NÃO É MAIS A MESMA
Diante de famílias que sofrem com o divórcio, mortes, doenças, o que fazer? Os filhos acabam, não raro, sendo submetidos aos cuidados ou leis de mais de uma mãe e ou de mais de um pai, cujas regras precisam estar em constante negociação entre os adultos que compõem a família. No caso de pais separados, os filhos terminam tendo duas casas, cada qual com suas regras, e se a separação for litigiosa, pais acabam usando os filhos para afetarem um ao outro e, com isso, falham no cumprimento das funções básicas da família.
Outra situação bastante comum é quando o pai está presente no casamento e todos os dias em casa, mas é absolutamente ausente. Seja porque não se interessa pela dinâmica cotidiana da família, seja porque não consegue representar a função paterna. Por quê? Existem várias possibilidades. Falta de compromisso, imaturidade, fraqueza diante de mães muito fortes que sufocam os filhos e o marido e o desejo de parecer mais jovem são algumas delas.

PAI PRESENTE, FILHOS EQUILIBRADOS
Arcar com as responsabilidades de assumir uma criança sem poder contar com um parceiro para dividir tarefas, gastos financeiros e preocupações não soa nada animador. Mas no caso de Maria Christina Pereira, 51 anos, foi o contrário: mãe de três filhos, cada um de um pai. Ela explica como a presença dos pais dos seus filhos foi fundamental, não só como provedor, mas também como limitador, como aquele que tem autoridade. “Num determinado momento da minha vida fiquei muito doente e os pais de cada um deles tiveram uma atitude madura e sábia em zelar pelo bem-estar dos nossos filhos”, destaca Maria Christina.
Tanto a mulher quanto o homem têm a mesma importância e responsabilidade na formação dos filhos. O que acontece numa sociedade machista é que as mulheres acabam sobrecarregadas de atribuições. Ainda mais quando também estão ausentes de casa por causa do trabalho em tempo integral. Com isso, uma criança ou adolescente acaba tendo autonomia para decidir, por ele mesmo, sobre que condutas adotar, principalmente quando se trata de questões relativas à sexualidade, drogas, violência. E com a diversidade de informações que esses filhos recebem via televisão, internet, escola, comunidade, o fator ausência-pai-e-mãe é ainda mais alarmante. E Maria Christina enfatiza que quando a mãe ocupa seu papel e o pai ocupa o seu lugar, o resultado são filhos equilibrados.
Os casais devem procurar manter em casa, na convivência com os filhos, um clima de respeito e de confiança. Sempre que houver mais de um adulto responsável por uma criança ou adolescente, estes devem atuar de maneira sensata e jamais transmitir aos filhos os possíveis desacordos. Seja no papel materno ou paterno, filhos precisam sentir que quem cuida deles se entendem, se respeitam e se admiram e estão verdadeiramente presentes.

by http://www.revistaenfoque.com.br/index.php?edicao=78&materia=948